Três em cada dez brasileiros são analfabetos funcionais

Dados divulgados na segunda-feira (5) pelo Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) apontam que três em cada 10 brasileiros com idades entre 15 e 64 anos são analfabetos funcionais, o que representa um índice de 29%, o mesmo da última pesquisa realizada em 2018. Considerando-se apenas os jovens (entre 15 e 29 anos), o índice cresceu de 14% para 16%. Para a professora Daniela Terto, do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), o cenário tem a ver com os efeitos da pandemia de covid-19, que pode levar anos para recuperar o tempo perdido, e com a a descontinuidade de ações de combate ao analfabetismo.
As mudanças, aponta ela, exigem que essas ações sejam consistentes, para que tenham efeito no longo prazo. “Os índices vão demorar a se modificar, principalmente porque, com a pandemia, eles retrocederam 10 anos. Além disso, a descontinuidade das políticas de Estado, sem um financiamento regular, pesam. O Plano Nacional de Educação, aprovado em 2014, previa 10% do PIB [Produto Interno Bruto] em educação em 10 anos, mas em 2016 ele foi esquecido. Então, é preciso priorizar a educação com financiamento adequado para suprir as lacunas”, avalia a professora.
A subcoordenadora da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da Secretaria de Estado da Educação (SEEC) Liz Araújo, diz que é preciso uma força-tarefa para melhorar os números. Segundo ela, as causas do analfabetismo funcional entre jovens e adultos são sociais, uma vez que essa parcela precisa priorizar o trabalho em detrimento dos estudos. De acordo com Araújo, fazem parte dos esforços da pasta para reduzir os índices o chamado espaço não escolar, para onde são levadas ações educativas fora do ambiente da escola.
“Levamos a sala de aula para o local de trabalho de alunos que não podem ir à escola. Temos, inclusive uma turma dessa aqui na SEEC, para terceirizados da limpeza, motoristas e familiares”, afirma. Além disso, as escolas com EJA fazem parte das iniciativas para reduzir o analfabetismo e melhorar os dados sobre analfabetismo funcional. Conforme a SEEC, 202 escolas da rede estadual ofertam a modalidade de ensino, com 1.824 estudantes matriculados nos anos iniciais do Fundamental, 5.950 nos anos finais e 13.916 no Ensino Médio, totalizando 21.690 estudantes.
Segundo a pesquisa do Inaf, 27% dos trabalhadores do País são analfabetos funcionais, 34% possuem nível elementar de alfabetismo (domina textos de extensão mais longa, resolve problemas usando operações básicas de matemática, compreende informações em gráficos e tabelas simples) e 40% têm níveis consolidados de alfabetização (elabora textos complexos, resolve problemas com operações matemáticas mais complexas, reconhece sentidos lexicais e sintáticos, dentre outros).
O analfabetismo funcional afeta, inclusive, aqueles que possuem ensino superior: 12%, segundo índice revelado pela pesquisa. A professora Daniela Terto, diz que as causas para o cenário vão desde às lacunas da educação básica, passando pelas formas de ingresso nas universidades – muitas vezes frágeis, nas palavras da professora – até a qualidade de ensino nessas instituições. “Existem faculdades com processos de vestibulares extremamente simplificados e em algumas esse processo sequer existe. E é preciso avaliar também qual o tipo de ensino que esse público está tendo acesso”, fala a especialista.
A pesquisa também mostrou desigualdades entre diferentes grupos da população, com índice de 28% de analfabetismo funcional população branca, de 30% na população negra e de 47% entre amarelos e indígenas. O levantamento foi realizado por meio de entrevistas presenciais em domicílio com 2.002 pessoas, entre residentes em zonas urbanas e rurais de 658 municípios de todas as regiões do país. Os resultados têm intervalo de confiança estimado de 95% e margem de erro máxima estimada de 2,2 pontos percentuais, para mais ou para menos. A pesquisa avalia cinco níveis de alfabetismo, com a aplicação de um teste cognitivo, composto por 32 itens que abordam situações do cotidiano.
São avaliadas duas dimensões: a dos textos verbais (como bilhetes, notícias, instruções, textos narrativos) e a dos textos numéricos (gráficos, tabelas, mapas, folhetos de ofertas do comércio, entre outros). É aplicado, ainda, um questionário contextual, abordando temas do dia a dia em âmbitos como vida doméstica, trabalho, situações de consumo, lazer e outros espaços da vida social. A pesquisa estabelece escalas para medir os níveis de alfabetismo.
O nível rudimentar, onde estão os analfabetos funcionais, corresponde àqueles indivíduos que conseguem localizar uma ou mais informações explícitas, expressas de forma literal, em textos muito simples (calendários, tabelas simples, cartazes informativos) compostos de sentenças ou palavras que exploram situações familiares do cotidiano doméstico.
Também é definido como analfabeto funcional aquele que compara, lê e escreve números familiares (horários, preços, cédulas/moedas, telefone) identificando o maior/menor valor; resolve problemas simples do cotidiano envolvendo operações matemáticas elementares (com ou sem uso da calculadora) ou estabelece relações entre grandezas e unidades de medida; e reconhece sinais de pontuação (vírgula, exclamação, interrogação etc.) pelo nome ou função.
Foto: Marcello Casal Jr_Agência Brasil
Tribuna do Norte