Indicado por Zenaide, professor e antropólogo negro do RN recebe Comenda Abdias do Nascimento no Senado Federal
Num reconhecimento anual a brasileiros e brasileiras de destacada atuação na proteção e na promoção da cultura afro-brasileira, o Senado Federal concedeu em sessão especial, nesta segunda-feira (17), a comenda Abdias do Nascimento a diversas personalidades. Entre os agraciados da cerimônia, que também celebrou o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra (20 de novembro), está o professor e antropólogo norte-rio-grandense Gilson José Rodrigues Junior, indicado pela senadora Zenaide Maia (PSD-RN).
Doutor e mestre em Antropologia e bacharel em Ciências Sociais, Gilson atualmente é assessor de Educação Étnico-Racial e professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), com experiência em pesquisa e ensino sobre políticas públicas, relações étnico-raciais, gênero, direitos humanos e epistemologias contrahegemônicas.
“A trajetória profissional e intelectual do professor Gilson articula o ensino, a pesquisa e a ação cultural, gerando um impacto direto e positivo na promoção da equidade racial e no aumento da representatividade negra no ambiente educacional brasileiro e na sociedade como um todo. Gilson é um homem negro que se destaca pelo compromisso com a promoção da equidade racial, valorização das culturas afro-brasileira indígena, e utilização de ferramentas audiovisuais para o impacto social e educativo. Este grande brasileiro e educador tem uma imensa lista de contribuições ao país”, afirmou Zenaide.
Confira aqui a cerimônia de condecoração do professor Gilson: https://www.youtube.com/watch?v=TV1BLfuHGHg
Segundo a parlamentar, celebrar a trajetória de educadores e militantes como Gilson significa valorizar a diversidade cultural, étnica e religiosa que marca a construção do país –transformação que, na visão da senadora, começa exatamente a partir da educação, território que atravessa as frentes de trabalho e mobilização do homenageado.
Saiba mais do homenageado Gilson José Rodrigues Junior, – Ayode N’lle:
• Coordenação de projetos audiovisuais que promovem diversidade e letramento racial;
• Promoção do debate sobre identidade e representatividade racial no ambiente educacional e cultural;
• Utilização de ferramentas culturais e educacionais para combater o racismo estrutural e fortalecer a equidade racial;
• Primeiro antropólogo brasileiro a desenvolver pesquisa no Senegal;
• Realização de curadorias, seminários e formações que promovem o letramento racial e o fortalecimento das políticas afirmativas no ensino e na cultura;
• Curadoria de exposições fotográficas, como “As Áfricas em Nós” e “Saindo do Armário”;
• Desenvolvimento de projetos voltados à valorização das culturas afro-brasileira e indígena, e ao combate ao racismo estrutural.
Luta antirracista
Em pronunciamento na sessão de entrega da Comenda, Zenaide assinalou que a luta antirracista precisa seguir firme no país, que deve a esses povos a construção de sua história, de sua cultura e de sua riqueza: “Essa história de dizer que não tem racismo não existe. Não há democracia nem justiça social com o apartheid entre pessoas pela cor da pele. Devemos à população negra a construção deste país”. A parlamentar ressalta frequentemente que o Brasil foi o último país do mundo a abolir na lei a escravização, “esse crime abjeto contra a humanidade”.
Ao receber a comenda, o professor ressaltou a realidade brutal do assassinato de negros no país: “Eu dou aula há 21 anos, desde os 21, estou no IFRN há sete anos apenas. Sou um homem negro, potiguar, de 42 anos de idade. Isso quer dizer que eu, felizmente, ultrapasso as estatísticas de um país em que, a cada 23 minutos, um homem negro era morto e em que, pelo último Atlas, essa estatística, esse número diminuiu para 16 minutos. Um absurdo, um absurdo!”, protestou o acadêmico.
Ainda conforme Gilson, quando Abdias Nascimento falava sobre genocídio, denunciava diferentes formas de matança da população negra no Brasil: “Não só direta, como o absurdo das chacinas, mas o deixar morrer. Quando ele falava de quilombismo, conclamava que onde estamos juntos e juntas há resistência. E aí, lembrando os termos do povo baníua, nós somos corpos-territórios”, salientou.
Cotas raciais
Zenaide destacou, em seu pronunciamento, ser papel do poder público garantir políticas públicas afirmativas, inclusivas e reparatórias aos povos negros. Nesse sentido, ela ressaltou ter defendido e votado a favor das leis de cotas para acesso a universidades públicas e a concursos públicos, além de ter atuado na articulação para a garantir a prorrogação da medida no Brasil.
“O feriado nacional de Zumbi e da Consciência Negra reflete sobre o fato de ser o Brasil um país que condenou essas pessoas a quase 400 anos de escravidão legalizada. O que é 10 anos de cotas públicas para quase 400 anos de escravidão? As cotas são uma questão de justiça social e reparação do dano histórico causado a essa população. Estamos falando de humanidade e dignidade, direito de viver sem ter sua integridade ameaçada por conta da cor de sua pele”, reiterou a senadora.
Ainda segundo lembrou Zenaide, quando formalmente libertas da escravização em 1888, essas pessoas foram novamente condenadas à pobreza e obrigadas a ir para periferias e morros, onde seguem sendo violentadas e silenciadas.
Abdias do Nascimento
Abdias do Nascimento foi deputado federal de 1983 a 1987 e senador entre 1997 e 1999, sempre pautando sua atuação política na defesa da cultura e da igualdade para as populações afrodescendentes no Brasil.
Autor de diversos livros sobre o assunto, ele propôs em 2006 a adoção do dia 20 de novembro como o Dia Oficial da Consciência Negra em São Paulo. Cinco anos depois, morreu no Rio de Janeiro, aos 97 anos.
Gilson também reverenciou o legado do ativista: “Que a memória e a presença de Abdias Nascimento aqui sejam fortalecidas a cada dia, e que nós sejamos mais, mais e mais. Que os nossos corpos não causem surpresa por ocuparem lugares de poder, mas se tornem naturalizados nesses espaços. É para isso que nós celebramos o 20 de Novembro, é para isso que essa comenda existe, é para isso que nós não apenas, como disse a senadora Zenaide, estamos resistindo, mas também existindo, vivendo e lutando, para permanecer e buscar viver com qualidade de vida num país que ainda nos odeia”, enfatizou.
Agraciados
Os agraciados foram escolhidos pelo Conselho da comenda, composto por um representante de cada partido com assento no Senado.
Conheça os outros homenageados:
Bezerra de Menezes (In memoriam)
Nascido em 1831 e falecido no ano de 1900, destacou-se como médico, político e filantropo cearense que, ainda no século 19, atuou ativamente em defesa dos pobres e da população negra escravizada, inclusive prestando atendimento médico gratuito a escravos e intercedendo por sua libertação. Como deputado do Império, participou ativamente dos debates que resultaram nas leis emancipacionistas e em políticas para a inclusão social dos libertos. Como dirigente do movimento espírita, difundiu ideais de justiça, dignidade e reparação histórica voltados à população afrodescendente. Seu legado une fé, cidadania e serviço social, simbolizando a defesa da dignidade humana e a valorização dos afro-brasileiros.
Carlos Alves Moura
Advogado e militante histórico dos direitos humanos e da igualdade racial no Brasil, é fundador do Centro de Estudos Afro-Brasileiros de Brasília e primeiro presidente da Fundação Cultural Palmares, cargo que exerceu em dois mandatos (1988-1990 e 2000- 2002). Em sua trajetória institucional, também foi assessor da Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e secretário executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP). Consolidou, assim, uma carreira marcada pela defesa de políticas públicas de valorização da cultura afro-brasileira, pelo reconhecimento das comunidades quilombolas, pela estruturação de programas de fomento às manifestações artísticas negras e pela promoção de intercâmbio cultural entre o Brasil e países africanos de língua portuguesa. Sua caminhada combina militância, ação institucional e produção intelectual voltadas à proteção e à promoção da cultura afro-brasileira.
Natanael dos Santos
Historiador e pesquisador com atuação destacada na historiografia africana e nas relações Brasil-África. Fundador do Grupo de Estudos Afro-Brasileiros da Unicamp e do Núcleo Nigéria da Universidade Feevale. Coordenou o núcleo de Direitos Humanos e Relações Étnico-Raciais da Faculdade Zumbi dos Palmares. É coautor do inovador projeto Black Box, vencedor do prestigiado Leão de Ouro em Cannes (2019), um trabalho que destacou de forma contundente a contribuição fundamental do povo negro na história nacional. Atualmente, é diretor da Editora Griô Educacional, atuando ativamente na difusão de saberes afro-brasileiros e no fortalecimento das políticas de igualdade racial. Sua carreira consolida a ligação entre academia, cultura e ação social.
Tulio Augusto Samuel Custódio
Sociólogo e pesquisador cuja trajetória acadêmica e intelectual dedica-se há quase duas décadas ao estudo e à difusão do legado de Abdias Nascimento, contribuindo para reposicionar sua obra no debate nacional. Nesse sentido, atuou, entre outros, na curadoria e na produção intelectual de grandes exposições sobre Abdias no MASP e no Itaú Cultural, ampliando o acesso público à cultura negra brasileira. Ainda, organizou uma coletânea de textos inéditos de Abdias, fortalecendo a preservação e a valorização de sua produção intelectual para as novas gerações. Também atua na mídia e em iniciativas como o Pacto Global da ONU, promovendo a equidade racial e o pensamento negro na esfera pública.
Valdice Gomes da Silva
Jornalista e ativista alagoana, com reconhecida trajetória na defesa da igualdade racial e da cultura afro-brasileira. Foi presidente do Sindicato dos Jornalistas de Alagoas e integrou a diretoria da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), além de ser a fundadora da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial de Alagoas (Cojira-AL). Atualmente, coordena o Centro de Cultura e Estudos Étnicos Anajô e o projeto afro-cultural Vamos Subir a Serra, uma iniciativa fundamental que celebra a consciência negra em local de profundo simbolismo, a Serra da Barriga.